Para D. Maira José Alcides Campos
1. Contigo,
que sabes os ingredientes da fala
e os segredos da alma, aprende-se
a expressão contida e a ocultação da
lágrima.
O sóbrio está em ti
Desde o tom da voz aos teus escritos.
Das palavras conheces a cor e o
cheiro,
A dimensão e a profundeza.
Ao nos aproximarmos de ti,
Desconfiamos que o nosso tique
Ou a nossa frase manca
Não vão parar na pele de um teu
personagem,
Porque, atrás da lhaneza, está o ser
profundo
Com o olhar vesgo, mas sábio,
Com que contemplas o mundo.
Andas à busca da chaga
Conhecida ou imprevista,
Mas és sobretudo um bom,
A vestir a casaca do Demônio.
Tuas histórias nos inquietam,
Até sentirmos pena de nós mesmos,
coparticipantes da sofredora espécie.
Há uma grandeza, entanto, na denúncia
da nossa condição, que é como
escória.
Por isso queremos ouvir-te
sempre mais uma história.
2. Penso que
foi à rede, em dias calmos e distantes,
que começaste a decifrar o homem,
reparando nos hieróglifos
das carnaúbas da telha-vã.
O gnomo ali terá impresso
com desenhos disformes, estranhos,
toda a tragédia dos viventes,
que, sob aqueles tetos,
amem ou desamem,
sofram e se movimentem.
Na verdade, existe uma hora
em que lama e folhas, folhas e lama
é o que a vida nos oferece
em resposta à nossa fraca esperança.
Sabes que há instantes
em que nada resta fazer,
só esmagar uma caixa
de fósforo ou um cigarro...
E outros em que, feridos, procuramos
um cigarro no bolso e já não o
encontramos...
E se uma fenda para alguém se abre
Minúscula como aquele
Buraco de fechadura
(e como dói precisar de uma fenda!),
por onde a alma se vai toda
infiltrando,
ouvem-se ruídos ou
abre-se, de repente, a luz da área.
Mais que no chão, no peito fica
apenas
uma imensa e invisível mancha de
álcool...
3. Concedes
tu, que não te enganas,
embora tendo o lírico no âmago,
reencontrar a outra face da cidade,
em que o universo mais se te espelhou.
Regressemos a Lavras.
A fábrica já não pegará fogo,
e eu já não sofrerei a aluvião
que parte me arruinou a meninice.
Libertaremos a sombra do Preso
e faremos sarar as dos Estranhos Mendigos.
À margem do Salgado espera uma canoa,
a água está serena, a infância redivida,
redescoberto o mundo antigo.
As mesmas pedras sobre pedras,
a terra é boa e se limpou de sangue:
dilúvio não caiu, não houve destruição.
(Esta terra é toda vale válido;
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo.)
Cultivemo-la em sonho. Frutos brotarão.
LINHARES FILHO.
In: Voz
das coisas. 1979.
Nenhum comentário:
Postar um comentário