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domingo, 5 de janeiro de 2014

100 anos de Moreira Campos


O VIDA E ARTE CULTURA dedica esta edição ao escritor Moreira Campos, que faria 100 anos amanhã. Sua vida atravessa a história de Fortaleza e as várias mudanças por que a cidade passou ao longo do século XX. O escritor era um apaixonado pela capital onde escolheu viver


Mesmo tanto tempo depois, Fortaleza ainda conseguia extrair exclamações de Moreira Campos. Dois meses antes de morrer, o escritor – que completaria 100 anos amanhã – fez um passeio pela cidade. No carro do filho, o advogado Cid Campos, ele olhava pela janela, com o sentimento de um expedicionário estrangeiro, o lugar onde vivia desde os anos 1930.
“Porque Fortaleza já é outra, com a sua modernidade, progresso, floresta de espigões, edifícios em massa, largas avenidas, novas ruas, asfalto. A cada trecho uma descoberta, um deslumbramento, uma revelação”, escreve na última crônica publicada em sua coluna Porta de Academia, editada neste jornal, em março de 1994.
Veja galeria de imagens com as primeiras edições dos livros do escritor cearense Moreira Campos, acervo do escitor Pedro Salgueiro
Mesmo tanto tempo depois, Fortaleza ainda conseguia extrair exclamações de Moreira Campos. Dois meses antes de morrer, o escritor – que completaria 100 anos amanhã – fez um passeio pela cidade. No carro do filho, o advogado Cid Campos, ele olhava pela janela, com o sentimento de um expedicionário estrangeiro, o lugar onde vivia desde os anos 1930.
“Porque Fortaleza já é outra, com a sua modernidade, progresso, floresta de espigões, edifícios em massa, largas avenidas, novas ruas, asfalto. A cada trecho uma descoberta, um deslumbramento, uma revelação”, escreve na última crônica publicada em sua coluna Porta de Academia, editada neste jornal, em março de 1994.
Veja galeria de imagens com as primeiras edições dos livros do escritor cearense Moreira Campos, acervo do escitor Pedro Salgueiro
Cid circulou com o pai nas proximidades do Passeio Público. Descidos mais para o mar, além da Santa Casa de Misericórdia, foram parar num hotel cujo “luxo” e “riqueza” faziam lembrar “uma página de Mil e Uma Noites”.

Em essência, o mesmo encantamento que estava presente quando, ainda adolescente, ele se hospedava no (modesto) Hotel Bitu, dos mais vultosos no fim dos anos 1920 na capital.

Acompanhado do pai, pujante comerciante português sediado em Lavras da Mangabeira, o futuro professor de Letras da UFC desfrutava da pensão e admirava, de lá, a antiga igreja da Sé, no Centro. “Tinha a feitura das nossas igrejas coloniais em sua estrutura, com o seu cruzeiro”, disse em entrevista para o livro Roteiro Sentimental de Fortaleza.

É uma de suas primeiras memórias da cidade. Lembranças que, ao se mudar para cá com a família em 1930, só vão se consolidando e se transformando numa espécie de espólio amoroso de um dos maiores contistas brasileiros.

Sem esconder a excitação, ele se recorda dos bondes, com seu saboroso cheiro de graxa, seus bancos “cara-dura” onde vez ou outra sentavam-se damas que eram paqueradas; em cada esquina, os lampiões a gás, as cadeiras na calçada; a Praça do Ferreira.

E também a grande paixão, além da literatura: o cinema, com filmes exibidos no cine Polytheama, no Majestic ou no Moderno. Porque lançamentos demoravam demais a chegar assistia à mesma fita diversas vezes. “Teria sido diretor de cinema, se houvesse possibilidade em Fortaleza. Mas o meio restringe muito as criaturas”, analisa no mesmo livro.

Sempre foi anticarnavalesco. Enxergava de longe Zezé, apelido da apenas namorada e futura esposa Maria José Alcides Campos, passar num carro do Ideal Clube, fantasiada. Por essa explosão carnavalesca, ela acabaria encabulada, porque conhecia o jeito arredio dele aos festejos.

O casamento dos dois, que iniciou em 1937, durou a vida toda. Após a união, foram construindo para si uma cartografia própria da cidade. Moraram na Rua dos Tabajaras, na Praia de Iracema. Em seguida se mudaram para o Benfica. Na rua Juvenal Galeno, ergueram uma casa e um escritório, o Buraco da Jia, onde Moreira mantinha máquina de escrever e centenas de livros.

Hoje não é mais possível encontrar a residência, demolida nos anos 2000 para dar lugar a um estacionamento – assim como já parecia ter previsto em “As Três Irmãs”, conto publicado em 1985.

No fim dos anos 1980, um apartamento na rua Beni de Carvalho foi a última parada. Quando não estava escrevendo e lendo, ia ao calçadão da Beira-Mar, verificava a praia do Náutico onde na juventude recebia pedradas dos pescadores por seu hábito de nadar. “Muitas vezes, em passeios pela praia, dizia que a cidade estava mais bela”, recorda a artista plástica e filha Marisa Campos, que mora no Recife.

Era visto também pilotando seu fusca verde em nossas ruas ainda calmas, gostava de encontrar os amigos no cooper que fazia na praça em frente ao Hospital Geral.

Antes de se aposentar, curtia trocar dedos de prosa com os vários alunos que o abordavam no bosque do curso de Letras. Divertia-se contando para os netos seus projetos literários, sempre nascidos de uma semente da realidade.

“Meu avô conseguia ser moderno, conversar com os jovens, porque tinha cabeça avançada, mas sem abrir mão de uma profunda educação, com uma elegância natural”, destaca a neta Carolina Campos, filha da também falecida Natércia Campos. Moreira nunca saiu de Fortaleza – a não ser por breves momentos quando ministrou pequenos seminários de literatura brasileira na Universidade de Colônia, na Alemanha. Apesar disso, ou por isso mesmo, sempre publicou por editoras do sudeste. “Livro na província é a pedra no poço”, dizia.

A vida dele tinha sido trilhada nessa voragem que se tornou Fortaleza, uma polifonia de vozes que abasteceram sua literatura e também a vontade de permanecer. Embora pouco se refira a ela nos contos, há textos dedicados à cidade. Um deles é um poema, de Momentos (1976), o único livro de poesia da bibliografia.

“Não quero te cantar particularmente, se estás toda em mim, amante”, começa o primeiro dos últimos quatro versos. E prossegue: “Por ti, deixei pedaços da minha infância e adolescência. E hoje, fiel, em ti me recolho para a solidão da minha velhice”.

SAIBA MAIS
 
O pai do escritor era um português cuja primeira atividade no País foi construir estradas. Daí ele ter morado em várias cidades do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
 
Em Lavras da Mangabeira, o pai comercializava peles, cera de carnaúba e algodão até que um incêndio destruiu seu negócio.
 
Tuberculoso, o pai de Moreira Campos trouxe a família para a capital e partiu para Quixadá em busca de um clima mais ameno. Morreu logo. Logo depois, a mãe do escritor morreria. Ele passou a morar com o primo, o jornalista Jáder de Carvalho.
 
Foi uma adolescência difícil. Conciliava trabalho e estudos. Frequentou o Liceu do Ceará. Cursou Direito e Letras.


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